segunda-feira, 23 de junho de 2014

Meu livro preferido é... O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA

O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriela Garcia Marquez, é uma das mais grandiosas histórias de amor que eu já li. É tão maravilhosamente bem escrita que ela realmente te leva a um outro tempo e faz você se perguntar: "Quanto tempo eu esperaria, ou se esperaria, pelo amor?".



Oprah Winfrey é uma das mais ricas e bem sucedidas mulheres do show business. Começou sua carreira como âncora de telejornal e hoje, além do sucesso alcançado como apresentadora de televisão e empresária, tem uma respeitada carreira como atriz de cinema e capitaneia grandes projetos humanitários, dentre os quais a construção de escolas para meninas na África. Seu Oprah's Book Club, projeto que iniciou ainda quando era apresentadora de televisão, foi responsável por um renascimento dos clubes de leitura nos EUA e impulsionou o mercado editorial por lá.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Você sabe?!?... A CASA EM QUE MORA A POESIA

por Mires Batista Bender




A Casa das Rosas fica na Avenida Paulista, 37, em São Paulo. Lá reside a Poesia.

É um casarão de trinta cômodos em estilo arquitetônico francês, que foi projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo em 1928 para ser residência de sua filha. A arquitetura reúne detalhes pitorescos como a entrada de mármore italiano, as ferragens inglesas e os cristais belga. É cercada por um grandioso jardim, inspirado no do Palácio de Versalhes, que guarda o roseiral origem do nome da casa e uma de suas muitas atrações.

A mansão foi residência particular até 1986, quando o governo a desapropriou e preservou como patrimônio cultural paulista. Inaugurou-se, então, o centro cultural conhecido por Casa das Rosas – Galeria Estadual de Arte, onde se exibiam mostras temporárias de obras do acervo artístico do estado divulgando as iniciativas da rede estadual de museus e do Departamento de Museus e Arquivos.

Em 2004, depois de permanecer fechado por um ano para reformas, o casarão tornou-se o primeiro endereço público do país destinado à poesia. A Casa adotou o nome de “Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura”, em homenagem ao poeta paulistano falecido em 2003, e acolheu o acervo de 20 mil volumes da biblioteca do escritor.

Nos diversos ambientes da casa, são desenvolvidas pesquisas e leituras de poesia, lançamentos de livros, espetáculos teatrais, saraus, recitais, cursos, exposições e outros eventos que privilegiem a difusão da arte poética. A Casa possui uma biblioteca circulante especializada em poesia e uma livraria da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que comercializa apenas livros de editoras universitárias.

A Casa das Rosas abriga o Centro de Apoio ao Escritor, um espaço que proporciona capacitação técnica e recursos de profissionalização a autores iniciantes e escritores em geral. Entre as diversas atividades, são oferecidas gratuitamente oficinas de criação, seminários, saraus, cursos para formação de escritores e palestras de especialistas em assuntos ligados ao livro, além de se oportunizar a participação no Anuário de Poesia Brasileira, que é um catálogo virtual empenhado em documentar e divulgar todas as obras de poesia editadas no Brasil, incluindo as traduções.

O diretor da Casa, poeta Frederico Barbosa, divulga todos os anos uma extensa programação, Vejamos algumas dicas da Agenda Cultural:

- No dia 26 de junho, às 19h30, a Casa promoverá o encontro com o escritor Marcelino Freire. Junto com Luiz Nadal, Marcelino participará do Isto Não é um Perfil - Desmontando os Escritores da Prosa Contemporânea. Marcelino é criador da Balada Literária, evento que reúne escritores nacionais e internacionais para conversar sobre literatura em saraus, shows e palestras. Entre outros títulos, ele é autor de "Angu de Sangue" (2000) e de "Contos Negreiros" (2005), que lhe rendeu o Prêmio Jabuti de Literatura em 2006.

- Dia 27 de junho acontecerá a oficina da canadense Naomi Guttman “Leia esta canção”, onde serão explorados sentidos sonoros para criar poema a partir da música. Naomi é poeta e, atualmente, professora de Escrita Criativa no Hamilton College no estado de Nova Yorque.

- Acontecerá nos dias 6, 7 e 8 de agosto de 2014, na Casa das Rosas, o I Seminário Bebês no Museu: experiências. O Museu Lasar Segall e a Casa das Rosas convidam Museus e instituições culturais brasileiras que tenham projetos educativos voltados para bebês e suas famílias a compartilharem suas experiências. As inscrições devem ser feitas até 25 de junho O resultado sairá no dia 30.

Veja a agenda completa em http://www.casadasrosas.org.br/agenda/, e saiba que todos os ramos da arte encontram morada nos diversos ambientes que integram a arquitetura desta casa feita de poesia.

* Mires Batista Bender, doutora em Letras pela PUCRS, acredita que as palavras são magia e fez delas seu ofício. Professora de línguas e Literatura criou o primeiro fã-clube de escritor para homenagear a união entre seus maiores prazeres: pessoas e poesia. Interessada e curiosa por todos os temas que fazem fluir o poético, conversa sobre eles nesta coluna...

quinta-feira, 19 de junho de 2014

O corpo abandonado e a consumação do indivíduo

Um corpo de mulher, com o rosto desfigurado pela crueldade com que fora arrastado até ali, é encontrado por um homem humilde à beira de uma estrada. Sem possível identificação imediata, é levado à perícia e repousa sobre a mesa fria de um médico legista. Naquela mesa, iniciada a necrópsia, é aquele corpo quem irá contar toda a história da mulher que o habitava - mas não em um exercício sobrenatural como o do machadiano "Memórias Póstumas de Brás Cubas"; qual um instrumento musical raro, precisará das habilidades do legista para ser desvendado aos poucos e desnudado diante dos olhos do leitor. É dessa premissa que parte o genial Este é o meu corpo, romance de estreia da escritora portuguesa Filipa Melo.

Lançado em Portugal em 2011 - no Brasil, seria publicado apenas três anos depois -, o romance aborda, de forma magistral, uma temática difícil e desafiadora - a morte e, mais precisamente, a violência contra a mulher que resulta naquela morte trágica e brutal da protagonista inerte dessa história. Escrito com singular apuro de linguagem, com total economia de recursos e prosa envolvente, Este é meu corpo tem em sua construção um dos pontos mais marcantes: o romance é contado ora em primeira pessoa - na voz do médico legista que examina o corpo de mulher e, solitário, conversa consigo mesmo e com o cadáver sobre o ato de examiná-lo em busca de sinais que lhe contem a sua vida -, ora em terceira pessoa, levando o leitor a conhecer fragmentos de narrativa sobre a falecida e as pessoas que conviviam a seu redor.

O resultado final é essa pequena obra-prima - que até hoje permanece como único romance escrito pela autora. Pelas mãos do legista, pela frieza de suas palavras, mas também por seu profundo amor por seu ofício, o leitor é levado a conhecer a mulher penalizada por ser forte e livre em um universo de figuras masculinas fragilizadas e pressionadas sob o peso das exigências de uma masculinidade nascida a fórceps. O próprio médico legista é também um desses homens fracos, que por não conseguir se relacionar com o mundo, prefere a companhia de seus mortos, seu controle sobre eles. Mas, como o legista, todos os personagens que orbitavam em torno dessa mulher morta parecem viver o mesmo mal - a incapacidade de viver em grupo, de encontrar um meio termo que lhes torne a vida aceitável na companhia do outro. Não por acaso, em sua constante ironia, o médico legista irá declarar que "os mortos falam". Ao final do livro, o leitor perceberá que a personagem mais viva daquelas páginas é mesmo aquela cujo cadáver repousa na mesa fria da perícia.

Em entrevista concedida um ano e meio após o lançamento do livro, Filipa Melo recordou um pensamento do Milan Kundera, que diz que "nos preocupamos tanto com a imortalidade que nos esquecemos de pensar na morte". Para a autora, a sociedade ocidental e católica, há muitos séculos, tenta "domesticar a morte, afastá-la", pensá-la como "um estado intermédio, entre a vida e uma outra coisa qualquer que não se sabe bem o que é". Este é o meu corpo seria sua forma de refletir na morte como "a consumação do indivíduo enquanto pessoa (...), um momento único e que nos transforma em seres únicos(...), de regresso à nossa singularidade, mesmo quando passámos a vida inteira a construir pontes para os outros." Despojada de qualquer humanidade, o corpo de mulher sem rosto e sem individualidade parece-nos, ao final do livro, quando o médico legista dá por concluída sua tarefa de interlocutor dos mortos, um memento mori de nossa mesma, fragilíssima condição.

*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Ensaio sobre a rotina: FRIVOLIDADES

por Nurit Gil
A turma reunia-se toda primeira terça-feira do mês. Demoraram meses até chegar à formação atual, de dez pessoas, todos cultos e com interesses em comum. A não ser a Lucinha, que fora trazida certa vez por Regis e acabara ficando. Ninguém nunca soube exatamente o porquê.
Sentavam-se no bar e costumavam discutir política, sempre com meandros de sociologia, filosofia, antropologia e meteorologia. Invariavelmente, era só chegarem ao ápice da conversa e Lucinha dava seu fora.
- Ditadura. Ponto final!
- Você é um burguês, Edgar
- Sou professor universitário. Como posso ser burguês? Está maluco?
- Vocês já ouviram que todo filho de psiquiatra é meio maluco? Disse Lucinha.
- Bem, meu pai é psiquiatra...
- Ah, desculpe. Não sabia.
Lucinha nunca palpitava sobre os assuntos ditos intelectuais. Apenas concordava com a cabeça. Até sentir a deixa.
- Não pode ser, João. Você desdenha minha inteligência com este tipo de opinião.
- Ih, Beatriz, inteligência e hormônios.
- Sabia! Você está grávida?
- Não, Lucinha, não...
Já tinham feito diversas tentativas de excluí-la do grupo, mas alguém sempre tinha pena, "Ah, chama vai...".
Um dia Lucinha chegou diferente. Pediu um Martini e discordou, opinou, sugeriu coerentemente. Ninguém acreditava.
Começaram a trocar olhares estupefatos. Fabiola até engasgou com a azeitona quando Lucinha exclamou "farsantes populistas!".
Nenhum fora. Nenhum comentário inapropriado. Nada. Apenas coerência.
No encontro seguinte, tentaram até incitar a antiga Lucinha.
- Lú, aquele cara está com um jeito de bêbado, né?
- Você acha?
- Postura de quem trai...
- Frivolidades.
Frivolidades. Era a palavra que comentavam por telefone, tentando entender o que acontecera com Lucinha. Até pouco tempo, achavam que ela inclusive desconhecia o significado do termo e agora até conseguia inseri-lo apropriadamente no contexto.
No encontro seguinte, Edgar teve uma reunião inadiável e Fabiola, enxaqueca. Em outro, a avó do Edu faleceu e a Katia pegou uma gripe. Por falta de quórum, deixaram de se reunir.
Até hoje, quando alguém pergunta o motivo do fim daqueles animados encontros, eles desconversam.
- A estabilidade política...

*Nurit Gil é uma paulista nos pampas gaúchos, formada em publicidade, mas nunca tendo exercido a profissão. Cronista de corpo e alma, a autora já trabalhou com vendas, marketing e foi mãe em tempo integral. Uma paixão? Nurit gosta de observar gente, escutar conversas, de preferência em ambientes abertos e com uma xícara de café. Sem chantilly. Semanalmente, publica nesta coluna suas impressões do cotidiano porto-alegrense.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Meu livro preferido é...O ENCONTRO MARCADO

"Um dos que mais marcaram foi O Encontro Marcado, de Fernando Sabino, que também foi um dos primeiros livros adultos que li, com 13 anos, fiquei fascinado com as histórias de turma de amigos, de jovens artistas e intelectuais descobrindo a vida, o sexo, o amor, fiquei louco para participar de uma turma daquelas.


- Nelson Motta é escritor, compositor, jornalista, crítico de música e um dos mais importantes produtores musicais do Brasil.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Você sabe?!?... BLOOMSDAY

por Mires Batista Bender

Bloomsday é o único feriado do mundo dedicado a um livro (excetuando-se a Bíblia). É comemorado no dia 16 de junho em homenagem ao Ulisses, de James Joyce.


O que poderíamos chamar de “o dia de Bloom” é a data dedicada ao protagonista do romance de Joyce. O Ulisses relata a odisseia da personagem Leopold Bloom durante aproximadamente 18 horas do dia 16 de junho de 1904. A ação é narrada em dezoito capítulos, cada um deles relatando eventos transcorridos num espaço de mais ou menos uma hora. Os episódios remetem a acontecimentos cantados na Odisseia de Homero, e em todos os capítulos encontram-se referências a um ramo do conhecimento e a uma parte do corpo humano. O autor utiliza-se de fluxo de consciência, de paródias e piadas, alcançando com sua escrita fragmentada a técnica que será uma das grandes contribuições de sua obra para a literatura do século XX. O livro é considerado um marco da literatura contemporânea ocidental.

Em várias partes do mundo, mas especialmente na Irlanda, terra de Joyce, o Bloomsday reúne amantes da literatura para realizarem diversas atividades com intuito de relembrar os acontecimentos vividos pelas personagens nas cerca de 900 páginas do romance, que se passa nas ruas e becos de Dublin.

Não é possível registrar com precisão o momento em que o dia 16 de junho começa a ser comemorado como o Bloomsday. Algumas pessoas indicam o ano de 1925, três depois da publicação do livro de Joyce. Outros aludem ao ano de 1941, falecimento de Joyce. Há os que julgam mais provável o ano de 1954, data do quinquagésimo aniversário do dia retratado em Ulisses. Encontra-se, porém, referência a uma carta de Joyce datada de 27 de junho de 1924 onde ele menciona a existência de um grupo que já reconhecia a data, 16 de junho, como Bloomsday (cf. Stuart Gilbert. Letters of James Joyce, New York, 1957, p. 216).

O fato é que, nos dias de hoje, o Bloomsday é uma efeméride incluída no calendário cultural de vários países.

No Brasil, diversas cidades celebram o Bloomsday. Em 2014, Natal comemora sua 28ª edição, São Paulo está na 27ª e Belo Horizonte, na 24ª. No Rio Grande do Sul, a cidade de Santa Maria detém a marca de local em que as comemorações acontecem há mais tempo. Desde 1993, a Associação dos Estudantes e o bar Ponto de Cinema reúnem os apaixonados por Joyce para leituras acompanhadas de charutos e música irlandesa – com entrada franca. O evento é organizado pelo Professor Agnaldo Medici Severino. Em Porto Alegre, as celebrações começaram em 2002, por iniciativa do Professor Donaldo Schüler, tradutor do Finnegans Wake, e há variados eventos espalhados pela cidade. Recentemente, as leituras regadas a cerveja têm sido acompanhadas pela música do trio Irish Fellas, um grupo de gaúchos cujo repertório é formado por músicas folclóricas da Irlanda e as chamadas “Irish drinking songs”, um estilo tradicional de música irlandesa.
É possível que o Ulisses de James Joyce seja, como muitos dizem, o livro mais citado e menos lido da história. Uma coisa é certa: é um dos mais celebrados.

* Mires Batista Bender, doutora em Letras pela PUCRS, acredita que as palavras são magia e fez delas seu ofício. Professora de línguas e Literatura criou o primeiro fã-clube de escritor para homenagear a união entre seus maiores prazeres: pessoas e poesia. Interessada e curiosa por todos os temas que fazem fluir o poético, conversa sobre eles nesta coluna...







quinta-feira, 12 de junho de 2014

Simão Botelho e uma paixão maior que a ficção

Simão Antônio Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante na Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fiz este assento, que assinei - Filipe Moreira Dias.

É costume dizer-se que "a vida imita a arte". Tal máxima popular tenta explicar as histórias reais aparentemente incríveis, que igualam ou superam os enredos criados por escritores ao longo dos séculos. Esse excerto, por exemplo, retirado dos assentamentos do cartório das cadeias da Relação do Porto, foi a confirmação que o escritor português Camilo Castelo Branco precisava para acreditar que as histórias contadas por sua tia Rita, que o havia criado, sobre um malfadado tio de nome Simão Botelho, eram verdadeiras.

O romance Amor de Perdição, cujo enredo foi situado por Castelo Branco nos últimos anos do século XVIII, traz em si toda a carga emocional do movimento literário no qual seu autor mergulhou com toda a sua alma - e é, segundo seu autor, a ficcionalização de todos os acontecimentos reais que ele conheceu pelos relatos de família - incluindo uma frase escrita à margem esquerda do assentamento acima, informando que Simão Botelho foi exilado para a Índia em 1807. Talvez seja por esse flerte com a realidade que Amor de Perdição permaneça, até hoje, como o romance em que mais se identifica o Portugal do Romantismo - ou, como o classificam alguns, do Ultraromantismo. Nele há todos os aspectos que tão bem caracterizam aquela escola: a exacerbação das emoções, as reviravoltas do enredo, a entrega dos personagens às suas paixões, a crítica social e até mesmo o nacionalismo tão marcante do Romantismo em todo o Ocidente.

A história da paixão proibida de Simão Botelho pela jovem Teresa, filha de um inimigo político de sua família, não por acaso é conhecida como o Romeu e Julieta português. Há diversas peripécias do romance de Castelo Branco que acompanham o mesmo desenho da trama de William Shakespeare - desde a premissa do amor proibido entre os filhos de famílias inimigas até o assassinato cometido por Simão, que mata um primo de Teresa ao tentar evitar que a moça seja enviada a um convento. Mas a originalidade - caso queiramos desconfiar que a fonte do autor português tenha sido Shakespeare, mais que a história da própria família - é algo de pouca importância quando se está diante de uma obra-prima: o próprio dramaturgo inglês não foi original ao escrever "Romeu e Julieta", tendo se baseado em pelo menos três poemas que lhe antecederam contando a sina de Romeus e Iulieta, que por sua vez sorveram da fonte primeira, as Metamorfoses de Ovídio, na qual há o mito de Píramo e Tisbe.

Amor de Perdição impõe-se pela fina ironia do texto de Castelo Branco, que critica com humor singular a estrutura da família tradicional portuguesa, que nas entrelinhas culpa por precipitar a tragédia dos dois amantes. Mas há também diferenças marcantes no encaminhamento da história dos apaixonados portugueses - a paixão dos dois jovens ganha uma protetora, Mariana, ela mesma apaixonada por Simão, ainda que conformada de que jamais consumaria sua paixão -, e há, enfim, o documento histórico que prova, ao menos, que existiu um Simão Botelho, deportado para a Índia por conta de um assassinato cometido por paixão. Camilo Castelo Branco - ele mesmo preso à época em que escreve o romance, sob a acusação de adultério e rapto de sua amada prima Patrícia Emília - certamente aproveitou-se da proximidade que sentia do tio falecido e seus sentimentos para compor este que é seu maior romance em apenas quinze dias, no cárcere, em condições ideais de criação para um romântico de alma aberta como ele. Infelizmente, o escritor escolheu para si mesmo um fim trágico, digno de um hérói romântico e desesperado, mas não sem antes deixar para seu país o legado de mais de uma centena de obras.

Hoje, a praça em frente à antiga cadeia da Relação do Porto ganhou o nome de Amor de Perdição, primeiro e único exemplo de logradouro público em Portugal a ganhar o nome de um romance. Homenagem merecida a um livro exemplar de uma época e de um grande escritor.

*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

  


quarta-feira, 11 de junho de 2014

CRÔNICA DA SEMANA: My life as a ghostwriter


Tenho uma confissão a fazer: já fui um fantasma.

Tudo começou quando, há alguns anos, uma amiga pediu que eu escrevesse a história de vida de seu pai para participar em um concurso cultural. Assumi o compromisso com uma seriedade que ela talvez não imaginasse - entrevistei o pai dela, pesquisei algumas referências, redigi o texto final usando alguns recursos literários. O texto, que seguiu para o tal concurso assinado pelo pai de minha amiga, foi premiado.

Depois, outras oportunidades surgiram. Hoje, sem jamais ter anunciado meus serviços, já somo alguns trabalhos publicados, entre autobiografias e biografias. Ainda não recebi proposta, nem sei se aceitaria, para escrever ficção que seja depois publicada em nome de outro. Esse é, afinal, o ofício que os americanos chamam de ghostwriter ou, no caso dos especializados em escrever discursos, speechwriter

Jamais havia revelado isso antes por conta de certo preconceito que ainda existe no Brasil contra essa digna ocupação de um escritor. Em um país como o nosso, em que o Romantismo fez, dos artistas, seres divinizados, dizer que se aceitou um trabalho de escritor-fantasma é quase uma heresia, praticamente um pacto fáustico de um escritor a vender sua arte ao demônio das contas no fim do mês. Sinto-me mais alinhado com a cabeça dos escritores de países como os Estados Unidos e Canadá, onde a profissão - sim, há escritores-fantasmas sindicalizados - é vista não como uma fraude consensual, mas como uma forma de fazer chegar à publicação histórias de interesse geral cujos protagonistas não tem talento para colocar no papel.

É assim que vejo esse trabalho que surgiu para mim de forma absolutamente inesperada. As histórias não são minhas, mas eu ajudo a que elas tomem a forma de um texto agradável ao leitor. Para chegar a um resultado satisfatório, criei também minha própria metodologia fantasmagórica.

O princípio de todo bom livro é que o autor conheça em profundidade o tema sobre o qual escreve. No caso do ghostwriter, é preciso também incorporar um pouco da alma de quem se escreve, digamos assim: não basta ao escritor criar um texto em seu estilo particular e emprestá-lo àquele que o assinará nas capas dos livros - é essencial que, na medida do possível, o escritor-fantasma capture algo do estilo de expressão de seu cliente, seja a palavra escrita ou falada. Para tal, começo sempre com uma série de entrevistas, que costumo gravar, iniciando por um breve relato do conteúdo da obra até ir aprofundando, em visitas futuras, os detalhes de cada passagem obscura. Não raro, recorro também a uma pesquisa histórica que corrobore - ou corrija - as impressões surgidas na entrevista, e já recorri também a entrevistas com parentes e amigos de certo cliente para quem escrevi uma autobiografia. Com esse material em mãos, coloco meu cliente em seu texto e...desapareço literariamente. Uma qualidade essencial ao fantasma, afinal, é ser invisível. 

A segunda e importante qualidade para um ghostwirter é o sigilo. Por mais que eu me encante pelo sucesso de um dos textos que psicografei para uma autobiografia, ela não pertence a mim e fui bem pago por ela. Atualmente, estou escrevendo dois textos como ghostwriter, um deles certamente terá boa repercussão, mas jamais direi a ninguém que obras são essas e quem são meus clientes. Outra qualidade essencial ao fantasma é permanecer no além-túmulo editorial.

Eis minha confissão: já fui um fantasma. Mas ainda atenderia às demandas terrenas com todo o prazer que o trabalho bem remunerado pode trazer a um escritor. Mea culpa, mea maxima culpa.

*Robertson Frizero é escritor, tradutor e dramaturgo. Coordena e ministra oficinas de Criação Literária na Sapere Aude! Livros, além de coordenar o Clube de Leitores da livraria. 

**Neste espaço, semanalmente, serão publicados textos de autoria dos clientes e leitores da Sapere Aude! Livros. Veja como participar aqui.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Você sabe?!?... O SANTO DA ESCOLA

por Mires Batista Bender



Todos aqueles que se interessam pela educação e a divulgação da cultura, têm muitos motivos para festejar esta data. Ela é dedicada ao protetor dos professores e da educação, Marcelino Champagnat.

Nascido nos arredores de Lyon, durante a Revolução Francesa (20/5/1789), Marcelino Champagnat cresceu em meio a um ambiente de total degradação da situação do ensino e interessou-se, desde cedo, por criar condições que diminuíssem a penosa condição de ignorância e abandono, que se alastrara especialmente entre os mais jovens. Com pensamentos que iam além das ideias educacionais de seu tempo, Champagnat elaborou e aperfeiçoou um sistema de valores educativos implantando as mais efetivas abordagens pedagógicas de sua época.

Fundador do Instituto dos Irmãos Maristas, em 1817, o Professor deu início a um estilo de educação hoje difundido em 77 países. Em 18 de abril de 1999, o Papa João Paulo II canonizou São Marcelino Champagnat, reconhecido como Santo da Igreja Católica. Ele é considerado o “Santo da Escola” e um grande precursor dos modernos métodos pedagógicos, que excluem todo tipo de castigo na educação.


Estátua em homenagem a Champagnat na PUCRS

Independente da religião que se professe, e mesmo para os que não manifestam qualquer ligação religiosa, o ato de ensinar é considerado um poderoso processo de sociabilização e fundamental para a manutenção dos modos e expressões culturais em sociedade. Esta é a razão para comemorarmos as melhorias promovidas por São Marcelino Champagnat na pedagogia do século XIX. Atitudes como a reformulação do método da leitura, o cuidado com a caligrafia, introdução do canto e do solfejo, melhoras no ensino da matemática, do desenho, da gramática e o desenvolvimento da educação física e do esporte. Por todo o mundo, escolas organizam festas para celebrar o dia de seu patrono com exposições, palestras, competições de trabalhos de arte, pinturas e desenhos, premiando estudantes e comemorando seus avanços.


* Mires Batista Bender, doutora em Letras pela PUCRS, acredita que as palavras são magia e fez delas seu ofício. Professora de línguas e Literatura criou o primeiro fã-clube de escritor para homenagear a união entre seus maiores prazeres: pessoas e poesia. Interessada e curiosa por todos os temas que fazem fluir o poético, conversa sobre eles nesta coluna...

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Amante da Algazarra



por Diego Petrarca

Após os lançamentos da poesia completa de Paulo Leminski e Ana Cristina César, agora é a vez do poeta e letrista Wally Salomão ter sua obra poética reunida em livro. Poesia Total (Companhia das Letras - 552 páginas) reúne os oito livros do autor e algumas letras de canções nunca publicadas em livro, além de textos sobre sua obra assinados, entre outros, por Antônio Cícero, Francisco Alvim e Davi Arriguci Jr e Armando Freitas Filho.

Entre os títulos estão Me Segura que eu Vou Dar um Troço, lançado em 1972 e reeditado numa edição caprichada em 2004 pela Biblioteca Nacional e a editora Aeroplano, já fora de catálogo. O livro, escrito nas celas do Carandiru onde o poeta ficou preso num curto período por porte de maconha, é um marco da poesia experimental dos anos 70, reunindo anotações esparsas, manuscritos, desenhos, fotografias, composto de mosaicos e escrita verborrágica, gênese do discurso de Wally: a poesia espalhada em prosa e o apelo gráfico/visual resinificando o conteúdo verbal.

Outra raridade que a obra comporta é o seu segundo livro, Gigolô de Bibelôs, lançado em 1983 pela editora Brasiliense no selo Circo de Letras, responsável pelas edições dos chamados poetas marginais, protagonistas da contracultura pós tropicalista dos anos 70. O livro traz textos híbridos misturando prosa poética e poemas visuais e apresenta algumas letras emblemáticas de canções gravadas por Gal Costa (como Vapor Barato, parceria com Jards Macalé, que embalou muitos casais e despedidas durante o regime militar e depois regravada pelo grupo o O Rappa, com enorme sucesso), Mel (parceria com Caetano Veloso cantada por Maria Bethânia, que deu nome a um disco de 1979 e tocou muito nas rádios) Anjo exterminado (outra parceria com Macalé gravada por Bethânia), entre outras mais e menos conhecidas. Poesia Total também resgata um perfil criativo que Wally Salomão escreveu sobre o artista plástico Hélio Oiticcica, Qual é Parangolé?, contaminado de uma linguagem coloquial e comentários absolutamente pessoais de Wally sobre artes e plásticas e sobre o processo de criação do amigo criador da instalação Tropicália, de 1964. 




Poeta polifônico. É desse modo que Wally Salomão se declarava. A matéria da sua poesia, centrada na palavra, deixava-se conviver livremente com a visualidade, com a incorporação da fala cotidiana na construção do poema, da utilização explícita de um despojamento do discurso, numa busca permanente de outras formas poéticas, estreitando as relações entre o texto e arte plástica, música, leitura em voz alta, caligrafia, alargando as possibilidades de veiculação da expressão poética que se realizou mais plenamente em seu trabalho como letrista. Wally Salomão é titular na tradição de poetas que começaram publicando poemas nas canções para depois sair nos livros, ao lado de Antônio Cícero e Torquato Neto. Esse trânsito livre de um suporte a outro sempre fluiu com naturalidade em sua trajetória, como disse Antônio Cícero: Wally Salomão dribla as convenções tanto do cânone quanto dos marginais. É pioneiro pela abertura das múltiplas possibilidades que caracteriza a chamada poesia contemporânea. A poética de Wally agrega transe, movimento, excesso, caixa alta, sobreposições, variações de alinhamento. A anotação esparsa complementa a criação de um novo vocábulo, conforme seus títulos: vai da extensão de uma Lábia (1998) a contenção de seu Armarinho de miudezas (1996): tudo o poema comporta e amalgama.

Wally Salomão
Poeta POLIVOX, com a mesma contundência e extravagância nas páginas dos livros quanto em sua fala presencial. Wally é o que pode se chamar de poeta ou artista multimídia: produziu Cássia Eller cantando Cazuza, dirigiu e deu nome ao histórico show de Gal Costa no auge da sensualidade: FA-TAL, de 1971. Foi modelo para intervenções fotográficas de Hélio Oiticica. Reuniu os escritos póstumos de Torquato Neto (Últimos Dias de Paupéria, 1973) e escritos inéditos de Caetano Veloso para uma antologia. Lia poemas no programa A Fábrica do Som, da TV Cultura de São Paulo. Editou a revista de poesia Navilouca, em 1974, com artistas plásticos e poetas renovando a linguagem do verso dentro e fora da página. Foi parceiro constante de Adriana Calcanhotto a partir do disco A Fábrica do Poema (1994), inspirado em seu poema, além de coautor de discos inteiros (a trilha do filme Quilombo, de Cacá Diegues, parceria com Gilberto Gil, 1984) e João Bosco (as canções do disco Zona de Fronteira, em parceria com Antônio Cícero, 1991). Foi padrinho do grupo Afro Reggae e liderou atividades culturais em Vigário Geral, periferia do Rio de Janeiro. Interpretou o poeta Gregório de Mattos no cinema. Escreveu a letra de Assaltaram a Gramática (1984) parceria com Lulu Santos, um dos primeiros sucessos radiofônicos do rock nacional. Em 2008, foi lançado o filme Pan Cinema Permanente, um ótimo documentário sobre o poeta dirigido por Carlos Nader.

O baiano de Jequié, filho de sírio com sertaneja, morreu em maio de 2003 aos 59 anos, enquanto era Secretário Nacional do Livro - Ministério da Cultura, na gestão de Gilberto Gil. Uma de suas propostas era a inclusão do livro na cesta básica dos brasileiros. Deixou o livro póstumo Pescados Vivos pronto, incluído agora em Poesia Total. Caetano Veloso homenageou o amigo na canção Wally Salomão, do disco (2006), esboçando uma tentativa de definição:  

Meu grande amigo
desconfiado estridente
eu sempre tive comigo
que eras na verdade
delicado e inocente.

Poesia Total, a obra completa de Wally Salomão, traz junto sua metáfora transbordante, que revitaliza o sentido e faz a poesia alçar outra metas e linguagens, conforme diz o poema Olho de Lince:  

Quem fala que eu sou esquisito hermético
É porque não dou sopa, estou sempre elétrico
Nada que se aproxima, nada me é estranho
Fulano sicrano beltrano
Seja pedra seja planta seja bicho seja humano.

* Diego Petrarca é um dos mais profícuos e talentosos poetas da nova geração no RS, com diversas publicações no gênero. Professor de literatura e redação, ministra Oficina de Poesia na Sapere Aude! Livros. Sua próxima turma terá início no dia 10 de junho de 2014 - saiba mais em http://oficinasliterarias.wordpress.com

quarta-feira, 4 de junho de 2014

CRÔNICA DA SEMANA: Traduttori Traditori

por Robertson Frizero

Caravaggio. São Gerônimo
Há um misto de admiração e ódio pelos tradutores. Isso, é claro, quando eles são de todo percebidos nos meandros dos livros que abnegadamente trazem para sua língua materna.

O trabalho de tradução é sempre falho e incompleto, pois essa é a natureza do processo de traduzir. Não há entre os idiomas - por mais que os tradutores automáticos tentem burlar isso - uma correspondência biunívoca entre vocábulos e estruturas; há aproximações, possibilidades, escolhas. Traduzir é, antes de tudo, escolher.

Não é simples a tarefa do tradutor. Há que respeitar o tom correto do texto original, as intenções do autor, a precisão vocabular possível. Mais ainda sofrem os corajosos que se dedicam a traduzir literatura e enfrentar o desafio de ler o que há por trás das escolhas do autor, as intenções ocultas, e reconstruí-las usando a língua dos leitores que, muitas vezes, jamais terão acesso aos originais daquela obra. E as palavras carregam forças ocultas, pesos aparentemente imperceptíveis mas que trabalham nos subterrâneos da compreensão do leitor, reforçando o caráter das propostas do autor original.

Os que traduzem poesia são quase-heróis.

Escrevo não como tradutor apenas, mas como leitor que ora se aventura pelo mundo espinhoso das traduções. Muitas vezes, em minhas tantas leituras de textos estrangeiros, passaram-me despercebidas essas reflexões que vi despertadas não só em meus recentes trabalhos mas, sobretudo, ao buscar no excelente Quase a Mesma Coisa, do escritor e tradutor italiano Umberto Eco, algumas respostas aos dilemas que enfrentei em minhas escolhas diárias no desafio da tradução. Como leitores, somos por vezes críticos muito ácidos do trabalho de tradução, já que mesmo sem conhecer a língua original de uma obra, é possível detectar problemas de tradução. E esquecemos que o bom tradutor jamais traduz apenas de uma língua para a outra - antes, trata-se de um processo de tradução de uma cultura para a outra, de uma época para a outra, de um público para outro. Por isso, os bons tradutores são muitas vezes os mais humildes e, ao mesmo tempo, os mais críticos em relação ao seu próprio trabalho - pois sabem que é praticamente impossível recriar em sua língua materna as sutilezas que qualquer língua estrangeira, como construtora de um outro mundo de falantes, sempre carrega.

Sei, mais que nunca, que todo tradutor é um traidor. Mas, sem esses traidores, que seria de nós, leitores, e nossas naturais limitações para ler na língua original todas as obras interessantes que há nas prateleiras mundo afora?

*Robertson Frizero é escritor, tradutor e dramaturgo. Coordena e ministra oficinas de Criação Literária na Sapere Aude! Livros, além de coordenar o Clube de Leitores da livraria. 

**Neste espaço, semanalmente, serão publicados textos de autoria dos clientes e leitores da Sapere Aude! Livros. Veja como participar aqui.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Com a palavra...GUSTAVE FLAUBERT

"Irrito-me com a minha própria escrita. Sou como um violinista que tem ouvido absoluto, mas cujos dedos recusam-se a reproduzir precisamente o som que ele ouve dentro de si."

- Gustave Flaubert foi um dos mais renomados escritores franceses. Autor de "Madame Bovary", sua literatura é marcada por uma profunda análise psicológica de seus personagens.


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Meu livro preferido é... O ESTRANGEIRO

"Na high school estudamos literatura, e quando se estuda literatura, temos que ler livros. É obrigatório. Por que? Porque a juventude de nosso caloroso país prefere, quase sempre - e eu também preferia - gastar seu tempo em outras coisas, e embora eu já lesse um bocado, preferia escolher eu mesmo os livros que eu iria ler, e sentia uma forte resistência à leitura daqueles livros que algum comitê do Ministério da Educação em Jerusalém nos propunha. Então, não foi surpresa que com O Estrangeiro, de Albert Camus, eu tivesse a sensação de que tinha encontrado um tesouro. Esse livro curto - minha versão tinha apenas cento e cinquenta e oito páginas -, pequeno o bastante para caber na palma da mão de um adolescente, parecesse a escolha certa para um compromisso importantíssimo - ler um livro para o exame de admissão.

Eu abri o livro e li a primeira frase: "Mamãe morreu hoje. Ou talvez, ontem; não tenho certeza." E, ao contrário de Mersault, que nos conta a história, eu posso dizer hoje com muita certeza que essa frase é a mais importante que eu já li. Com um pouco menos de certeza, posso escrever que é também a mais importante que jamais lerei.

Terminei o livro em poucas horas. Fiquei fascinado por ele, e não sabia ao certo a razão. Nenhum livro antes ou depois deixou-me com a sensação de flutuar em um mundo estranho, ainda que meu mundo. Nas semanas que se seguiram à sua leitura, eu peguei o ônibus de número 24 da Ramat Hasharon até a biblioteca central da Universidade de Tel Aviv e li tudo o que encontrei sobre o livro e seu autor, que haviam se tornado parte inseparável de minha vida.

Em poucas ocasiões no quarto de século que se passou desde então, eu perguntei a mim mesmo se eu deveria voltar atrás e reabrir essa porta. E a única resposta que eu tive foi a de que há portas e sóis que nos fascinam independente de nossa vontade."

David Zonsheine
* David Zonsheine é escritor e ativista. Fundador do grupo Courage to Refuse, um grupo de reservistas do Exército Israelense que se recusam a servir em territórios ocupados, é também coordenador do B’Tselem − Centro Israelense de Informações sobre Direitos Humanos nos Territórios Ocupados.