quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

John Marcher e o medo de viver

Henry James
O crítico literário estadunidense Edmund Wilson, em um ensaio sobre T. S. Eliot, identificou em sua poesia traços que seriam comuns na obra de diversos autores norte-americanos, dentre os quais ele inclui Henry James(1843-1916): “o remorso por situações inexploradas, o sombrio remoer de paixões inibidas” . Wilson refere-se mais especificamente à novela The beast in the jungle (1903), na qual o “herói de meia-idade, (...) muito tarde na vida, [dá-se conta], tristemente, de que [estivera] a viver de maneira cauta e mesquinha demais”, um “medo à vida” que, assinala o crítico, “está intimamente vinculado ao medo da vulgaridade” na obra de Henry James.


De fato, John Marcher, o protagonista de A fera na selva, teve sua vida marcada por uma convicção pessoal de que algo terrível ou prodigioso – a beast to jump out , “uma fera que o atacaria de surpresa”, nas palavras dele próprio – estaria por acontecer a ele. Essa impressão fora compartilhada com apenas uma pessoa, May Bartram, cujo reencontro dez anos depois de tal revelação é o fato que desencadeia toda a trama da novela. O segredo por ambos compartilhados leva-os a nutrir uma amizade com a qual dividirão também os anos restantes de suas vidas – ela com um crescente amor por Marcher; ele pela comodidade de ter alguém a seu lado a acompanhá-lo em sua espera pelo destino que jamais se realiza. Mesmo a morte de May Bartram mostra-se um evento incapaz de levar o protagonista ao seu pressentido fado; somente ao retornar ao cemitério, em visita ao túmulo da amiga, Marcher é capaz de reconhecer, ao observar a tristeza sincera de outro visitante, o vazio de sua vida:



No passion had ever touched him, for this was what passion meant; he had maundered and pined, but where had been his deep ravage? (…) The sight that had just met his eyes named to him, as in letters of quick flame, something he had utterly, insanely missed, and what he had missed made these things a train of fire (…) He had seen outside his life, not learned it whitin, the way a woman was mourned when she had been loved for herself; such was the force of his conviction of the meaning of the stranger’s face (…)



James é hoje tido como um dos principais autores em língua inglesa e um dos maiores nomes da literatura em prosa do século XX – ainda que boa parte de sua produção tenha surgido ainda no século XIX, ele foi um dos precursores de diversos elementos narrativos que seriam adotados pelos escritores do século passado. A narrativa em The beast in the jungle é marcada pela linearidade temporal – há analepses (retornos temporais) internas, sobretudo no capítulo primeiro, que trata do reencontro de Marcher e Bartram, mas a estrutura dos capítulos é seqüencial – e pelo uso de um espaço físico amplo, algo característicos da literatura novecentista; contudo, a modernidade do texto surge no uso da linguagem por James, que através de uma sintaxe intrincada, sofisticada, envolve os leitores aos poucos no que seria o grande segredo do personagem principal; a rica tessitura textual de Henry James funciona em favor do narrador onisciente intruso (narrador em terceira pessoa cuja neutralidade é quebrada por seus comentários e idéias sobre as ações) que conta a história e dá acesso aos pensamentos e conflitos do personagem – do constrangimento de descobrir que havia compartilhado seu segredo com outra pessoa, ao início da novela, até a constatação final de que desperdiçara sua vida à espera de um acontecimento extraordinário que talvez lhe tivesse ocorrido, mas que ele não fora capaz de perceber: o amor de May Bartram, sua confidente e amiga até o fim de seus dias.
*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

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