quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Juan Pablo Castiel e a lógica da insensatez

 
"...arriba, a través de una ventanilla, se veía una escena pequeña y remota:


una mujer que miraba como esperando algo, quizá algún llamado apagado y distante."


Bastará decir que soy Juan Pablo Castel, el pintor que mató a María Iribarne; supongo que el proceso está em el recuerdo de todos y que no se necesitan mayores explicaciones sobre mi persona. Assim Ernesto Sábato inicia “O Túnel”, sua primeira novela, publicada em 1948 na Argentina. A obra traz a narrativa de Castel, um pintor boinarense que fica obcecado por uma jovem desconhecida que ficara por longo tempo observando um pequeno detalhe em um de seus quadros, chamado Maternidade. Para ele, o fato denota a existência de uma conexão comunicativa única entre ele e a jovem María Iribarne. Castel passa a persegui-la pelas ruas da capital argentina e inicia com ela um relacionamento conturbado, repleto de desconfiança e medo, ciúme e insegurança. O que de início era uma busca por conhecer a única pessoa que teria compreendido sua arte, torna-se um desejo fatal de tomar posse por completo daquela mulher que passa a representar sua própria razão de viver.



Ernesto Sábato
Sábato mantém, pelo uso de um narrador em primeira pessoa, o interesse por uma história da qual já se conhece de antemão o evento mais funesto desde as primeiras páginas da novela. É o próprio Castel quem conta os fatos que antecederam o assassinato da mulher que amava obsessivamente, explicitando a presença do leitor. O narrador-protagonista deixa também clara a cronologia dos fatos e o espaço onde as ações ocorrem, o que dá ao texto uma impressão de veracidade perfeitamente coadunada com a idéia de um criminoso que descreve os antecedentes do próprio crime. Contudo, o narrador-protagonista usado por Sábato em El Túnel não serve apenas para dar à história esse caráter de identificação imediata do público com a personagem.

A novela é um estudo das razões doentias que levam Castel a cometer um assassinato brutal e inconseqüente, e o narrador em primeira pessoa lança o texto aos limites da verossimilhança. Um narrador onisciente em terceira pessoa, por exemplo, passaria ao leitor a idéia de estar lidando com uma verdade incontestável; ao acompanhar a narrativa de Castel por suas próprias palavras, o leitor é levado a conviver com as obsessões e a logicidade de uma mente doentia – já não há a certeza dos fatos, pois o que se tem é a opinião do criminoso, sua percepção da vítima e dos fatos que lhe deram a certeza de que a morte de Maria era inevitável.

O protagonista mostra-se detentor de uma personalidade doentia, patologicamente obsessiva, que projeta em Iribarne sua busca interior por um sentido para a vida – não por acaso El Túnel é associada às idéias do existencialismo sartreano, em voga à época do lançamento da novela. Todos os seus gestos, os mais torpes e tolos, são por ele raciocinados à minúcia, em uma lógica tortuosa que é apresentada ao leitor por esse narrador que está a construir para si mesmo as razões que o levaram a matar a única mulher que jamais amara, o ser que entendía [su] pintura. Por esse raciocinar continuado, o pintor conclui que Maria o traía, como fazia com seu esposo cego, Allende, e que o abandonara para estar com um homem que ele, Castel, desprezava.

A genialidade de Sábato mostra-se justamente nas dúvidas que suas escolhas na construção de El Túnel lançam ao leitor: terá María traído Castel com Hunter, o primo e suposto amante? Será ela a leviana que o pintor imagina em seus delírios e carências? Comunicado, pelo próprio Castel, do assassinato de sua esposa, Allende persegue-o a gritar uma única e significativa palavra – um vocábulo que irá acompanhar Castel pelo resto de seus dias: ¡insensato! É por esta palavra isolada – e por todas as escolhas textuais perfeitas– que Ernesto Sábato faz aflorar a desconcertante mensagem de sua novela: mesmo a mais doentia das mentes, mesmo a mais distorcida das realidade, tem sua lógica interna e assustadoramente convincente.
 
*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

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