quinta-feira, 4 de julho de 2013

A Senhora Hale e os verdadeiros criminosos

Susan Glaspell
Uma das fundadoras do Playwright's Theatre, também conhecido como Provincetown Players, Susan Glaspell (1876-1948) representou uma revolução no teatro estadunidense. Entre os anos de e 1922, os Provincetown Players produziram e encenaram novos textos de dramaturgos como Eugene O'Neil e da própria Glaspell, cujos textos, até hoje encenados com interesse nos Estados Unidos da América, ganharam à época repercussão maior que as peças teatrais do próprio O'Neil, hoje tido como um dos maiores dramaturgos estadunidenses. Em seu país, onde existe uma Susan Gaspell Society, dedicada ao estudo e divulgação da obra de Glaspell, a autora é conhecida não só por sua produção para o teatro, mas também por seus contos e romances. Mas foi com um texto teatral que ela foi condecorada com um prêmio Pulitzer em 1931 - Alison's house.

Os temas das peças teatrais de Susan Glaspell giram em torno de questões regionais, sobretudo de sua Iowa natal, e também das tensões e conflitos entre homens e mulheres. Não raro, suas personagens são pessoas em busca de um sentido para suas vidas, algo que se repete em sua obra em prosa. Não raro, Susan Glaspell usava como inspiração para seus trabalhos as histórias que conhecera e investigara durante os anos em que fora jornalista do Daily News.

Bagatelas (Trifles - 1916) é, talvez, sua peça teatral mais divulgada, não só por conta de sua temática feminista, mas sobretudo pela maestria de composição da trama e pela profundidade a que a dramaturga chega na discussão da condição feminina em um texto relativamente curto, que encenado não deve ultrapassar meia hora de espetáculo. O sucesso do texto foi tamanho - e o resultado tão satisfatória pra Glaspell - que a autora transformou a história em um conto intitulado a jury of her peers, publicado no ano seguinte e que se tornaria um de seus textos mais conhecidos em prosa. A situação inicial de Bagatelas, livremente inspirada pelo assassinato de um certo John Hossack cuja história Glaspell cobrira como jornalista, é relativamente simples: três homens - um promotor, um delegado e um fazendeiro - chegam a uma fazenda onde, no dia anterior, ocorrera um assassinato. Duas mulheres acompanham-nos: a Sra. Peters, esposa do delegado, e a Sra. Hale, esposa do fazendeiro que foi o primeiro a tomar conhecimento do caso e está lá na condição de testemunha. Susan Glaspell usa o ambiente da peça - a cozinha desordenada da fazenda - para estabelecer as diferenças de percepção entre os sexos e, sobretudo, para expor a condição feminina e os subterfúgios usados pelas mulheres para sobreviver em um mundo de opressão: enquanto os três homens vasculham a casa em busca de provas que incriminem a esposa do fazendeiro assassinado - morto na própria cama, enforcado enquanto dormia -, as mulheres vão aos poucos revelando a si mesmas - e ao público - as razões pelas quais a Sra. Wright teria matado seu esposo.

A genialidade de Glaspell está em trazer esses temas todos por meio das ações das personagens e não de um discurso panfletário colocado em suas falas. As mulheres descobrem que a Sra. Wright tinha uma vida de opressão e violência através dos pequenos detalhes que vão coletando naquela cozinha desarrumada, aparentemente fruto do desleixo de uma dona de casa pouco cuidadosa. A Sra. Hale conhece a esposa do homem assassinado, uma mulher que um dia fora a jovem feliz que cantava no coro da igreja, e que depois do casamento vivia enclausurada em sua fazenda, isolada do mundo, alheia mesmo às tarefas comunitárias nas quais as mulheres uniam forças e eram a única forma possível de compartilhar suas experiências e sofrimento em um mundo dominado pelos homens. São os detalhes pequenos, as "bagatelas que as mulheres adoram discutir" - na fala do Sr. Hale ao desqualificar as opiniões da esposa - que darão a elas as certezas sobre a culpa da Sra. Wrigth e seus motivos. São as coisas pequenas e tão femininas - o "quilt" inacabado, a gaiola rompida e o pássaro morto, o vidro de compota e o pão por fazer - e não a lógica masculina e policialesca - com sua busca por pistas grandiosas da autoria do crime - que revelam o assassinato para o público. Mas não se trata, aqui, apenas de mostrar como as mulheres são mais detalhistas e cuidadosas que os homens. Glaspell evidencia a pouca importância que os homens davam ao universo feminino e que os tornava incapazes de perceber a verdade além das aparências. Um desprezo pelos sentimentos das mulheres que levou o Sr. Wright a sufocar a esposa - que o mataria, literalmente, dessa mesma forma - e segue impedindo muitos homens de perceber o quanto se pode crescer e aprender na convivência igualitária com as mulheres.
 
*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

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